Conheça histórias de torcedores que investem alto, de dinheiro a energia, para seguir seus times

Os resultados de um time de futebol batem mais forte nos torcedores que não medem esforços para segui-lo e, por isso, fazem grandes investimentos financeiros, físicos e emocionais — tudo para estar presente em momentos, quem sabe, de alegria. Quando os títulos não vêm, as consequências além das quatro linhas podem ser ainda mais duras para esses fanáticos, como mostram especialistas e os próprios torcedores.

— Futebol é uma paixão, em primeiro lugar. E, às vezes, esses torcedores são jovens que precisam se sentir inseridos num contexto, fazer parte de um grupo. Mas também é uma dependência. Tudo é bom, até que fica excessivo, apresenta prejuízo à vida pessoal, profissional, financeira — analisa Anna Lucia Spear King, psicóloga e doutora em Saúde Mental do Instituto Delete.

Há torcedores que deixam relacionamentos ou parentes, endividam-se ou fazem manobras financeiras, e até mesmo os que perdem o emprego para perpetuar a aventura. Tudo isso, é claro, sem a garantia de que vão ter o desejado retorno esportivo. Mas esse tipo de jornada pode ser mais tranquila para quem consegue moderar seu comportamento.

— É se organizar. Tentar fazer o planejamento do ano quando sabe que vai ter a oportunidade de ver um jogo no exterior. Ou um planejamento mais simples, mensal, se vai querer ver um jogo específico num estádio do Brasil. O mais importante é a disciplina de fazer isso — orienta Graziela Fortunato, especialista em Finanças Pessoais na Escola de Negócios da PUC-Rio.

Em uma temporada eletrizante do futebol brasileiro, com reviravoltas e jornadas inéditas, não faltam exemplos de torcedores que se investiram de corpo e alma. Alguns deles contam suas histórias abaixo.

Depoimento 1 (Luma Queiroz, 33 anos)

“Achei alguns trechos de voos baratos… e resolvi fazer uma loucura”

Luma Queiroz fez um empréstico com um amigo para comprar passagem de volta da Arábia Saudita — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo

Comecei a torcer quando eu tinha 8 anos, mas meu pai nunca foi de me levar ao Maracanã. Por tudo o que eu vi o Fluminense passando, quero ganhar títulos, mas, principalmente, quero estar perto. Não fui muitas vezes para fora do Rio. A primeira foi em 2016, na final da Primeira Liga. Larguei o antigo trabalho, porque meu chefe não queria me liberar. No ano passado, comecei a ir mais: Vila Belmiro, Itaquera… Neste ano, fui ao Morumbi. Para o Mundial, será a primeira vez que sairei do Brasil na vida.

Eu ia para a Argentina ver o jogo contra o River Plate, mas meu ex-namorado não poderia ir, então abdiquei para não arrumar problema. Também ia para o Paraguai, contra o Olimpia, mas minha mãe cismou de casar, e eu não voltaria a tempo. Decidi ir para o Beira-Rio (na semifinal contra o Inter), pleiteei férias no trabalho a que eu não tinha direito. Pus minha chefe na parede, e ela me liberou.

Sou MEI e não tenho direito a férias remuneradas, mas a empresa nos dá 20 dias ao longo do ano. Precisei negociar. Um amigo vascaíno tinha agendado férias no período do Mundial, porque a namorada dele tira nessa época, e eu e ele não podemos sair ao mesmo tempo. Mostrei a passagem e os ingressos e implorei pelo amor dele por Romário, Edmundo, Roberto Dinamite, para trocar comigo. Ele falou com a namorada, e fechamos esse acordo.

A ideia de ir para a Arábia Saudita não foi planejada no começo do ano. Quando acabou a final da Libertadores, pensei. Porém, tinha a questão do visto, os voos, os pacotes de viagem… E achei que o ingresso seria muito caro. Aí encontrei trechos de voos baratos: Guarulhos para Roma, Milão para Jidá… e resolvi fazer uma loucura.

Consegui comprar a passagem de ida. Depois, passei uma rifa, com 300 números, cada um a R$ 15. As pessoas começaram a me ajudar. Custeei uma parte da viagem de volta e do visto com a rifa. Até o último domingo, eu estava só com a passagem de ida. Mas peguei um empréstimo com um amigo, que me permitiu inteirar a da volta. Além disso, meu salário até março está todo comprometido.

Os ingressos para a semifinal e a final foram a segunda etapa. Confiante que sou, não comprei para o jogo do terceiro lugar. Falta só a estadia agora. Comprei também roupas em um bazar católico, como saias abaixo do joelho, por causa da cultura do país, ainda mais sendo mulher. Além disso, não sei falar inglês e vou ficar quase 24 horas sozinha em Milão. Tudo pelo Fluminense.

Depoimento 2 (Gabriel Bernardes, 22 anos)

“Arrepender-se é forte. Vivi momentos que jamais vou esquecer”

Gabriel Bernardes perdeu o emprego por causa dos jogos do Botafogo — Foto: Arquivo Pessoal

Meu pai é botafoguense, e quando pequeno eu já ia aos jogos com ele. Mas no pós-pandemia comecei a ir com mais frequência. Este ano fui a 44: três em São Paulo, três em Belo Horizonte e um em Salvador. No Rio, desde fevereiro não perdia uma partida. Só esta última, contra o Cruzeiro. Porque já não aguentava. Psicologicamente, é complicado. O resultado acaba dizendo se sua semana vai bem ou mal. Ela passou a depender do Botafogo. Com a sequência de 11 jogos (sem vitória), muita gente ficou afetada. Minha esposa, com quem moro há três anos, reclamava dos fins de semana em que eu não estava, dos eventos em que não a acompanhei…

Enquanto estava trabalhando, dava um jeito para ir aos jogos do meio de semana. Era inspetor de escola e pedia para sair mais cedo. Só que você deixa de ser útil, né? Até que, no meio do ano, fui despedido. Estava lá há dois anos. Fiquei chateado, mas pensei: “Daqui a pouco arrumo outro emprego”. Consegui trabalhos como autônomo e fui arrumando meu dinheirinho. Mas ainda estou desempregado.

Arrepender-se é forte. Mesmo não sendo campeão, vivi momentos que jamais vou esquecer. Se (em 2024) estiver disputando título de novo, é de se pensar. Mas teve o lado ruim, o financeiro. Para bancar as viagens, usei o cartão. Agora, estou pagando parcelado. Juntando todas as despesas, dava entre R$ 450 e R$ 500 por jogo fora de casa. Mas é a vida.

Depoimento 3 (Calebe de Castro, 33 anos)

“Foram 5 mil km em um bate-volta de cinco dias”

Calebe de Castro fez um bate-volta de cinco dias para ver o Fortaleza na final da Sul-Americana — Foto: Reprodução

A final da Sul-Americana foi a primeira vez em que viajei para acompanhar um jogo do Fortaleza fora do estado. Eu e minha esposa tínhamos tentado ver jogos na Argentina (contra Estudiantes e River Plate), mas não foi possível. Já tinha perdido as esperanças de novo, porque as passagens de avião para o Uruguai estavam custando até R$ 7 mil, mas fui presenteado com uma surpresa do programa de sócio-torcedor. Apesar de termos ido de ônibus, não medi esforços e disse de prontidão que aceitava. Foram 5 mil quilômetros em um bate-volta de cinco dias, com a gente custeando alimentação, banho, perrengues no caminho…

Eu não concluí a volta. Parei em Porto Alegre e peguei um voo comprado de última hora. Na ida, o ônibus teve problemas em uma rodovia de São Paulo. Então, minha esposa falou para tentar comprar passagens de avião. Ainda estou pagando.

Ela não pôde ir, mas entendeu. Antes do sorteio do ST, até tinha dito que eu poderia fazer um empréstimo para custear as passagens, mas pensei: “Não sou louco”. Queria ter levado também meu pai, que não foi contemplado como sócio.

Eu havia sido desligado em outubro de uma empresa onde trabalhei por 14 anos, o que me permitiu ter tempo para ir à final. Também sou músico e tive que abrir mão de um seis dias de trabalho. Perdi dinheiro, mas deu para conversar.

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