Cervejas artesanais com DNA do Cerrado estão em alta na capital federal

Febre entre os brasilienses, as cervejas artesanais deixaram de ser apenas consumidas para também serem produzidas na capital federal. Impregnadas com o DNA do Planalto Central, muitas delas têm ingredientes do Cerrado e nomes que fazem referência à nossa fauna e flora, como as da Cerrado Beer, que estão entre as primeiras cervejas artesanais originais de Brasília, produzidas 100% na capital, em uma indústria própria.

Nascida em 2016, primeiro como um hobbie de cinco amigos, a Cerrado Beer tornou-se negócio. Atualmente, com um novo proprietário, o corretor Charles Viana, 49 anos, está prestes a ganhar um ponto fixo, delivery de chope e franquias pelo Centro-Oeste, em cidades goianas como Pirenópolis e Chapada dos Veadeiros.

Charles escolheu assumir a Cerrado Beer por conhecer a qualidade da cerveja, que ele garante estar entre as três melhores de Brasília, sendo vendida até mesmo em alguns mercados, e por adorar a relação da empresa com o cerrado e seus animais silvestres. Um dos grandes destaques da marca, inclusive, são as embalagens das latas e garrafas, que exaltam a biodiversidade em cores e figuras divertidas. “Nasci em Belém, mas moro aqui desde os 10 anos, meus filhos nasceram aqui e amamos o Cerrado, temos uma relação muito forte com a natureza, somos do esporte. A Cerrado Beer tem essa pegada”, comenta.

Aos domingos, Bruno, 24, e Brenno, 18, acompanham o pai na kombi apelidada de “beer truck”. Eles ficam no Eixão, entre a 208 e 209 Norte, onde vendem o chope artesanal, que tem teores alcoólicos variados, de 4,5% até 9%. Entre as mais pedidas estão a Caliandra, o Lobo Guará, Carcará e Tamanduá Bandeira. Exaltando a rica biodiversidade do bioma da capital, a marca tem uma carta de geladas que vai desde o estilo mais leve, a Siriema pilsner, até o mais encorpado, Buraqueira, em homenagem à coruja típica do Cerrado, no estilo doble brown ale.

O servidor público Rogério Jesus Alves de Oliveira, 43 anos, aproveitava a tarde de domingo para relaxar no Eixão do Lazer, na Asa Norte, oportunidade para provar a Cerrado Beer, na kombi estacionada na altura da 209 Norte. “Gosto de beber cerveja artesanais, são diferentes, mais encorpada. “, avalia. “Experimentei a caliandra e estou repetindo. É uma lager mais encorpada”, avalia.

Charles Santos, 56 anos, diz gostar de cervejas artesanais porque gosta de conhecer sabores diferentes. “As industrializada têm sabores muito uniformes”, pontua o servidor público, que diz gostou da carcará. “É boa, refrescante e muito bem feita. Não sou um grande entendedor de cerveja, mas posso dizer que gostei”, afirma.

Outro destaque da carta de cervejas da Cerrado é a Buraqueira, cerveja escura double brown ale, 8% porcento de teor alcoólico, ibu 80, escala usada para medir o amargor da bebida, que vai de 0 a 100. A lobo-guará corresponde a 40% das vendas da cervejaria, com teor alcoólico de 9% e ibu 30 e leva rapadura na receita. Além da rapadura, a tamanduá-bandeira também leva café, que proporciona um sabor mais característico. Em 2018, a cerveja tamanduá-bandeira ganhou medalha de bronze em um concurso nacional de cervejas artesanais, em Blumenau (SC).

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Turma da Colina foi como ficou conhecido o grupo de jovens que se reunia no bairro universitário para ouvir — e fazer — rock. Com esse movimento nasceram as grandes bandas que alcançaram sucesso nacional e transformaram Brasília na Capital do Rock. E hoje, o termo é também o nome de um produto que busca celebrar o famoso movimento com raízes na Universidade de Brasília (UnB) e a biodiversidade do Planalto Central. Com sabor das frutas amarelas típicas do Cerrado e criada por professores dos departamentos de Química e Biologia da UnB, nasceu a Turma da Colina, cerveja do tipo Catharina Sour, o primeiro estilo da bebida originalmente brasileiro.

O engenheiro químico Paulo Suarez, professor do Instituto de Química da UnB, é o responsável pelo cultivo das colmeias das abelhas frieseomelitta, o nome científico da Marmelada, uma das 11 espécies presentes no meliponário da chácara onde vive. “Até agora, essa espécie foi a única estudada. Imagine a potência que pode vir das outras, ainda sem investigação científica. É de vital importância preservarmos a biodiversidade do Cerrado porque, com o aumento do desmatamento, corremos o risco de perder espécies com potencial rico antes mesmo de conhecê-las”, pontuou.

O professor trabalha com o cuidado de abelhas desde adolescente. Na pandemia de covid-19, como os laboratórios da universidade estavam fechados, o aluno Igor Carvalho, 29 anos, o procurou em busca de orientação para o trabalho de conclusão do curso de química tecnológica. Assim, surgiu a ideia de o estudante trabalhar com as abelhas. “A primeira bebida alcoólica que nós testamos a partir das colmeias foi o hidromel, mas ficou azedo e com baixíssimo teor alcóolico. Então, levamos ao laboratório para fazer uma análise da microbiota. Foi assim que descobrimos a fermentação lática, ideal para produzir cervejas”, lembra Igor.

Àquela altura, os dois produziram quase 40 garrafas de cerveja com frutas diversas, como goiaba e maracujá. Após a banca de defesa do estudante e dos testes e aprovação, os professores da UnB seguiram fazendo aprimoramentos no produto. Primeiro, examinaram a acidificação. Depois, o processo passou pela pesquisa sobre a proporção do malte, respeitando as características específicas do tipo Catharina Sour.

Em seguida, veio a etapa do uso do lúpulo, cultivado no DF e que já era pesquisado por um grupo de professores da universidade, comenta Grace Ghesti, professora do Instituto de Química da UnB e coordenadora do Laboratório de Bioprocessos Cervejeiros e Catálise em Energias Renováveis (LaBCCERva).

Entre os sabores predominantes estão abacaxi, pêssego e siriguela. Com um teor alcoólico de 4%, a bebida se caracteriza por ser leve e refrescante. “O que deu o gostinho das frutas do Cerrado foi justamente o uso do pólen das abelhas. Por se alimentarem de flores e frutas com as cores amarelas, as características do pólen se espelham no sabor da cerveja”, explica Grace.

A encarregada pela identificação dos microrganismos responsáveis por dar gosto à cerveja foi a professora do Instituto de Biologia Talita Carmo. Ela usou um procedimento chamado cromatografia líquida de alta performance. “Essa é uma pesquisa colaborativa. Na minha parte, eu notei que o mosto da cerveja metabolizava os nutrientes e transformava em outros produtos que davam aroma e sabor à bebida. Nós ainda não sabamos qual seria o resultado e ficamos surpresos com a descoberta”, contou.

No total, as experimentações para a produção da bebida duraram cerca de quatro meses. Os primeiros testes, feitos em um laboratório da universidade, renderam três litros de cerveja. Para começarem a comercializar, os professores entraram em contato com a cervejaria Bracitório, localizada na Asa Norte, onde foram produzidos 500 litros da bebida. Então, foi realizado um contrato de transferência da tecnologia.

Foi somente nesse momento que aconteceu o batismo da cerveja. O cervejeiro Glauber Cruz foi quem inventou o nome e a logomarca. “Fez tanto sucesso na nossa cervejaria que acabou tudo em um mês. É um estilo bem leve e refrescante de cerveja, lembra um frisante. Estamos pensando em testar com outras frutas típicas daqui, como a jabuticaba”, disse. A Turma da Colina acabou rápido, mas um novo lote está em fase de preparação para ser vendido na cervejaria.

Com a descoberta da potência do uso do pólen, a equipe do LaBCCERva está empenhada em desenvolver outras bebidas com matéria prima 100% vinda da biodiversidade do Cerrado. As outras cervejas produzidas ganharam um nome que homenageia a origem universitária dos primeiros testes, são as Unbeerlievable limoncello e Unbeerlievable absinto. A bebida mista com teor alcoólico entre 7,2% e 9% usa o absinto formulado pelos cientistas, usando plantas como losna e erva-doce cultivadas em Planaltina. A transferência da tecnologia, desta vez, foi feita à cervejaria Madstein, localizada no Núcleo Bandeirante.

O lúpulo também foi todo criado na capital. Os limões sicilianos são cultivados no Altiplano Leste, na chácara do professor Paulo Suarez. Amante de cerveja e da biodiversidade, o engenheiro químico também desenvolveu um pequeno lote de cerveja preta, do tipo Stout. “Essa é uma bebida mais encorpada, com sabor puxado para o chocolate e café. Demora mais ou menos três meses de maturação. Eu aromatizei com favos de baunilha cultivados aqui no DF”, pontuou. Paulo engarrafou 40 unidades da bebida e afirma que será apenas para consumo próprio. Pelo menos por enquanto.

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