Coletivo lança manifesto em defesa de pacientes com Atrofia Muscular Espinhal

O Universo Coletivo AME, criado em 2019, para concentrar esforços em prol dos pacientes com Atrofia Muscular Espinhal (AME), divulgou, nesta segunda-feira (9/12), um manifesto para cobrar o Ministério da Saúde sobre o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) que viabilizará, de forma mais rápida e barata para o Estado, um medicamento importante para o tratamento da doença, o Zolgensma®.

O coletivo cobra uma decisão deliberada em 7 de dezembro de 2023, onde a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), na 125ª Reunião Ordinária, deliberou a atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para AME para incluir o medicamente. No entanto, o PCDT ainda não foi publicado, e, por causa disso, o medicamento não está acessível aos pacientes com doença rara.

O manifesto (confira o texto completo no fim da reportagem) aborda dois pontos importantes: o uso de um outro medicamento com custo elevado que não tem o mesmo resultado e o custo da dose única desse medicamento comprado quando a decisão vem de forma judicial. A média da dose em casos judiciais custa R$ 8,67 milhões. Pelo PCDT, cada dose custaria R$ 5,72 milhões.

“Até aqui, na grande maioria dos casos, o acesso ao remédio tem se dado por via judicial, o que onera os cofres públicos. Estudo publicado em 2024 sobre os custos da judicialização do Zolgensma® no Ministério da Saúde indica que o gasto médio do MS para a compra do medicamento para 109 pacientes foi de R$ 8,67 milhões por dose. Por outro lado, o preço negociado na incorporação para disponibilização via PCDT foi de R$ 5,72 milhões por frasco”, informou o coletivo.

O que diz o ministério?

Ao Correio, via nota, o Ministério da Saúde (MS) afirmou que as tratativas com a empresa do Zolgensma® estão ocorrendo todo o ano, com a reunião mais recente sendo realizada no último dia 2 de dezembro.

“O Ministério da Saúde informa que nessa segunda-feira (2/12), foi realizada uma reunião entre técnicos do Ministério e representantes da farmacêutica Novartis, fornecedora exclusiva do medicamento, para tratar do Acordo de Compartilhamento de Risco (ACR). O MS está atuando de forma ativa para cumprir com o fornecimento administrativo da terapia incorporada ao SUS, mas depende, nesse momento, do posicionamento da Novartis. É importante destacar que o Ministério enviou uma minuta de acordo a Novartis e aguarda a formalização do ACR para dar acesso ao medicamento. A pasta tem realizado uma série de tratativas com a empresa. O processo é complexo porque o MS precisa monitorar a melhora do paciente com a terapia gênica e os resultados ao longo dos anos. Vale ressaltar que esse será o primeiro acordo comercial envolvendo pagamento da terapia após monitoramento individual do paciente no SUS”, afirmou o órgão.

A pasta também frisou que os pacientes diagnosticados com AME não estão sem assistência do governo, que há outros medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS).

A empresa Novartis, disse em nota ao Correio que ainda há algumas divergências nos termos do acordo, mas que sua prioridade é que o processo seja concluído. Segue a nota na íntegra:

“Recentemente, a Novartis recebeu a devolutiva da minuta contratual do acordo de compartilhamento de risco de Zolgensma, que contém alguns pontos de divergência em relação à proposta inicialmente enviada ao Ministério da Saúde. Estamos trabalhando para que nos próximos dias a devolutiva seja enviada para o MS.A conclusão do acordo é prioridade para a companhia, que continua buscando junto ao Ministério as melhores condições para que o processo seja concluído o mais breve possível.”

“Cabe ainda pontuar que pacientes com AME não estão desassistidos no SUS, já que são disponibilizados na rede pública os medicamentos nusinersena e risdiplam para pessoas com os tipos 1 e 2 da doença. Outro ponto a considerar é que nenhum paciente com indicação médica e decisão judicial favorável ficou desassistido, pois o Ministério adotou todas as medidas necessárias para garantir o acesso do paciente e evitar atraso no fornecimento do medicamento Zolgensma”, ressaltou em nota.

A dra. Cecilia Micheletti, médica geneticista do Laboratório DLE do Grupo Fleury explicou ao Correio o que é a Amiotrofia Muscular Espinhal (AME) e o o tratamento. “A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença geneticamente determinada, caracterizada pela degeneração dos neurônios motores, levando à fraqueza e atrofia muscular progressivas. É causada principalmente por mutações no gene SMN1, que são herdadas de forma autossômica recessiva. A gravidade da AME varia, com tipos que vão de formas infantis graves a apresentações mais leves em adultos”, comentou.

O médico Maciel Pontes, neurologista do Hospital de Base do Distrito Federal explicou a importância e a eficácia do Zolgensma® no tratamento para pacientes com AME. “O Zolgensma® substitui o gene defeituoso por um funcional, corrigindo a causa da doença. O medicamento é uma terapia gênica de dose única, considerado uma terapia revolucionária porque atua na causa raiz da doença. Ele é mais eficaz quando administrado antes do aparecimento dos sintomas graves. No entanto, devido ao alto custo (cerca de U$ 2,1 milhões), seu acesso é limitado, especialmente em sistemas públicos de saúde”, ressaltou.

A expectativa de vida depende do tipo da doença. Os tipos 0 e 1 podem ter pouco tempo dependendo das complicações do paciente. Os níveis 3 e 4, mesmo com limitações, podem viver por vários anos com qualidade de vida melhorada. E o tipo 4, o mais leve, afeta adultos e não reduz a expectativa de vida, mesmo causando perda gradual de força muscular. Mesmo não tendo cura, os especialistas afirmam que os medicamentos Zolgensma® e Spinraza ajudam a melhorar a qualidade de vida e prolongar a sobrevivência, especialmente se administrados precocemente.

AME, assim como outras doenças, precisa de tratamentos multidisciplinares com terapias e medicamentos. O neurologista do Hospital Santa Catarina-Paulista, Frederico Menucci, conta quais outros métodos são utilizados no tratamento. “O tratamento da AME envolve uma abordagem multidisciplinar, incluindo fisioterapia respiratória, fisioterapia motora, terapia ocupacional e tratamentos medicamentosos. Os tratamentos medicamentosos mais modernos são terapias gênicas, que têm como objetivo corrigir a deficiência do gene SMN1 ou melhorar a compensação proporcionada pelo gene SMN2. Esses tratamentos têm ajudado a retardar a progressão da doença, mas ainda não curam a doença.”, explicou.

Suhellen Oliveira da Silva, 42, é uma empreendedora social em Recife (PE) e tem dois filhos com AME, o Lorenzo, 12, e o Levi, 4. Suhellen conta que o mais velho tem o tipo mais grave da doença, o AME1, e devido a demora no início do tratamento, que começou aos cinco anos, teve sua vida inteira afetada. “Lorenzo não teve chances de iniciar tratamento sem sintomas, isso afetou toda sua vida, deixando ele debilitado, dependente de ventilação para respirar, tubo de alimentação para comer e vive de forma acamada necessitando de assistência 24h”, contou ao Correio.

Já o caçula, foi diagnosticado ainda durante a gravidez e conseguiu tomar o Zolgensma® com 1 ano e 3 meses de idade. Suhellen diz que esse tratamento foi o diferencial para Levi. “O Lorenzo tem sequelas graves em sua vida, deixando ele limitado e com riscos diários importantes para seu desenvolvimento. Já o Levi tem as expectativas muito melhores que o irmão”, explicou.

O tratamento das crianças envolve medicamentos caros de uso constante. Lorenzo usa o Spinraza de quatro em quatro meses via sonda e o Levi, além da dose única do Zolgensma®, também se medica com o risdiplam via oral diariamente. O valor dos medicamentos é muito alto, Suhellen afirma que se não for o SUS ou o Estado, apenas pessoas ricas podem manter o tratamento. O Spinraza , no primeiro ano, custa R$ 1.32 milhão. O Risdisplam, por ano em média, tem o custo de R$ 1.08 milhão. E o Zolgemsna, dose única, quase R$ 6 milhões.

Silva espera que o PCDT seja publicado logo, já que no caso de Levi, mesmo fazendo o pedido no sétimo mês de gestação, o pedido via judicialização só foi concedido depois do primeiro ano do caçula. Além da demora na disponibilização dos remédios tem também o agravamento das condições dos pacientes. “O acesso ao tratamento de forma precoce mudaria todo o curso natural da doença que é muito devastadora, limita a vida dele e de toda família. Vivemos na corda bamba e sem saber se teremos ele na nossa vida no dia de amanhã”, declarou.

A advogada especialista em direito da saúde, Amanda Resende, da ARS advocacia e consultoria jurídica, explicou ao Correio como funciona um processo de aquisição de remédios para doenças raras no Brasil. Atualmente, você consegue pelo SUS e pelos planos de saúde, as diferenças são poucas, mas de acordo com a advogada, as burocracias são muitas.

Resumidamente, o processo inicia pela petição inicial, então há a contestação (defesa), réplica do autor, análise das provas pelo juiz, possível perícia, sentença e recursos. “Uma ação de saúde demora bem menos do que uma ação normal, então seria em torno de um ano e meio, dois anos, na minha experiência. É sempre assim, quando é contra o Estado, geralmente ele entra com um recurso para cassar esse pedido, mas geralmente essas decisões são confirmadas em segunda instância. Então o processo tem, mais ou menos, esse tempo de duração. Contra plano de saúde é mais ou menos isso também, um ano, dois anos e meio”, explicou.

A advogada Amanda ainda diz que medicamentos caros, aqueles acima de R$ 1 milhão, normalmente sofrem mais recursos por causa do custo. Resende explica que as novas diretrizes do Supremo Tribunal Federal (STF) deixaram o processo mais lento. Agora, os casos são analisados pelo NAT-JUS, que é um núcleo de apoio técnico composto de profissionais da saúde que elaboram essas notas técnicas para analisar a viabilidade do pedido de saúde.

“Foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça e torna a situação ainda mais burocrática, pois é uma análise muito fria que contrapõe com o laudo do médico que está tratando o paciente. É mais generalizado, sendo que na saúde cada caso é individualizado”, comentou. A advogada ainda disse que na maioria dos pareceres do NAT-JUS são negativos, o que necessita de recurso por parte do paciente.

O Universo Coletivo AME foi criado em 2019 com o objetivo de concentrar os esforços de Advocacy de 5 associações de pacientes com AME: Associação dos Familiares e Amigos dos Portadores de Doenças Neuromusculares de Pernambuco; Instituto Viva Iris; Instituto Nacional da Atrofia Muscular; Instituto Fernando Loper Vasconcellos de Apoio Múltiplo a Atrofia Muscular Espinhal AME; e Associação Brasileira de Amiotrofia Espinhal – ABRAME. Será lançado hoje, em uma live no Instagram do coletivo, às 19h.

Leia o manifesto na íntegra:

“MANIFESTO EM DEFESA DOS PACIENTES COM AME

Nos últimos anos, a comunidade AME (Atrofia Muscular Espinhal) conquistou avanços importantes, mas também tem enfrentado desafios que exigem união, articulação e ações coordenadas.

Um desses grandes desafios é a demora na publicação da atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de AME, para incluir o Zolgensma® (onasemnogeno abeparvoveque), que foi incorporado ao SUS em dezembro de 2022, dentre as opções terapêuticas disponíveis. Sem isso, a incorporação não se efetiva realmente, pois não acontece a dispensação do medicamento aos pacientes.

Em 07 de dezembro de 2024, fará um ano que a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), em sua 125ª Reunião Ordinária, deliberou sobre a atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para AME.

No entanto, o PCDT ainda não foi publicado. Por causa disso, o medicamento não está acessível aos pacientes com AME.

Até aqui, na grande maioria dos casos, o acesso ao Zolgensma® tem se dado por via judicial, o que onera os cofres públicos. Segundo matéria publicada por Futuro da Saúde1 entre dezembro de 2022 e maio de 2024, 73 medicamentos já foram pagos pelo SUS através de decisões liminares.

Estudo publicado em 2024 sobre os custos da judicialização do Zolgensma® no Ministério da Saúde2 indica que o gasto médio do Ministério da Saúde para a compra de Zolgensma® para 109 pacientes foi de R$ 8,67 milhões por dose. Por outro lado, o preço negociado na incorporação para disponibilização via PCDT foi de R$ 5,72 milhões por frasco. Esse preço, contudo, só passa a ser praticado após a publicação do PCDT.

Além disso, até que as famílias consigam o medicamento pela via judicial (o que pode demorar mais de 12 meses), os pacientes iniciam o tratamento com outro medicamento disponível no SUS. O custo, também elevado, desse tratamento ponte poderia ser evitado caso o Zolgensma® estivesse disponível de imediato como primeira opção terapêutica.

Portanto, o atraso na demora da publicação do PCDT gera, além de desespero para as famílias que precisam do medicamento, um grande desperdício de dinheiro público.

Então, não se trata de um problema ou impacto apenas na Comunidade AME – o impacto é para todos os cidadãos que pagam impostos.

Durante 2024, a nossa coalizão UNIVERSO COLETIVO AME3 enviou diversos e-mails, perguntas via Lei de Acesso à Informação (Lei no. 12.157/2011 – LAI), ofícios e realizou diversas reuniões com representantes do Ministério da Saúde com o objetivo de entender os motivos para a demora na publicação do PCDT. Em uma das respostas recebidas do Ministério da Saúde, nos foi informado que “a celebração do acordo depende da negociação dos termos do contrato de compartilhamento de risco, processo atrelado à avaliação interna de tais termos pelas áreas responsáveis de ambas as partes e que não possui prazo legalmente estabelecido.”

Isso é um absurdo! A Lei no 8.080/1990 e o Decreto no 7646/2011, que regulamenta o funcionamento da Conitec estabelece prazo não superior a 180 dias para a publicação do PCTD, admitida a sua prorrogação por 90 dias, quando as circunstâncias exigirem. Ou seja, mesmo com a prorrogação, já estamos com mais de 450 dias de atraso – e contando.

Apesar das repetidas tentativas de esclarecimento por parte da Coalizão Universo Coletivo AME e de frequentes comunicações entre as partes envolvidas, o que se observou foi a ausência de respostas concretas e um posicionamento evasivo por parte do Ministério da Saúde. A falta de previsão, a falta de transparência e a falta de diálogo com a sociedade civil não se coadunam com os princípios constitucionais estabelecidos pelo art. 37 da Constituição Federal.

Devido a esses fatos, exigimos uma resposta assertiva do Ministério da Saúde quanto a demora na publicação do PCDT atualizado e à previsão de, efetivamente, o Zolgensma® estar disponível no SUS para os pacientes.

#quemtemametempressa”

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