Com previsão de um rombo de R$ 8,5 bilhões no orçamento de 2024 após ter tido um ano com as contas no azul, o estado concentra esforços para reduzir gastos impostos pelo Regime de Recuperação Fiscal (RRF). O Palácio Guanabara aguarda um aceno do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre o pedido de renegociação dos critérios de atualização de sua dívida com a União — o Rio tem que pagar ao governo federal R$ 6,7 bilhões este ano, sendo R$ 4,1 bilhões só de juros. A promessa é que a resposta saia até março. “Enquanto isso, uma reprogramação de despesas será feita, conforme a disponibilidade de receita prevista”, informou a Secretaria estadual de Fazenda sem dar mais detalhes.
A meta de déficit zero, quando receitas e despesas ficam equilibradas, defendida por Haddad no orçamento federal, não é vista como obstáculo por especialistas em finanças públicas para que a União repactue o ajuste fiscal com o Rio. Eles, no entanto, criticam o projeto que deve ser encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, ampliando de nove para 12 anos o prazo para a retomada do pagamento integral das parcelas da dívida. A medida, dizem, pode significar um alívio momentâneo, mas multiplicaria o valor do financiamento.
O governador Cláudio Castro tem planos de ir a Brasília para um novo encontro com o ministro da Fazenda, a fim de tratar do endividamento do estado, hoje de R$ 187,2 bilhões. Apesar do questionamento, o estado pagou no último dia 2 uma parcela de R$ 482,3 milhões, dos quais R$ 283,9 milhões (58,8%) foram de juros. Castro chegou a anunciar que o Rio brigaria no Supremo Tribunal Federal (STF) para ficar livre dos juros de seus empréstimos, alegando que o governo federal não poderia cobrá-los por não ser instituição financeira. Procurado, o Palácio Guanabara não informou se entrou com alguma ação.
Os números do caixa do Rio — Foto: Editoria de Arte
‘Galinha dos ovos de ouro’
O Ministério da Fazenda também faz mistério quanto aos próximos passos no sentido de atender pleitos não só do Rio, como de outros estados que estão em recuperação fiscal (Rio Grande do Sul e Goiás, com planos homologados, e Minas Gerais, com prazo de homologação estendido para março). Por e-mail, o órgão afirmou que “não vai se manifestar” sobre o assunto.
Quanto à intenção de Haddad de perseguir o déficit zero, o vice-presidente da Comissão de Tributação da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), deputado Luiz Paulo (PSD), entende que não será mantendo inalteradas as regras do RRF que o equilíbrio das contas federais será alcançado. Até porque, lembra o parlamentar, dos impostos arrecadados no estado, apenas entre 10% e 12% retornam, e o restante fica com o governo federal:
— Você não pode perseguir o déficit zero matando a galinha dos ovos de ouro. Se estados quebram, o que acontece? Desorganiza um pedaço da nossa sociedade e desorganiza a arrecadação. A União não tem sucesso sem o sucesso de estados e municípios, e vice-versa. Somos uma federação.
Professor da Uerj, o economista Bruno Sobral também não acredita que a meta do déficit zero federal entre em conflito com eventuais mudanças no regime:
— São duas questões distintas. A do ajuste fiscal do próprio governo federal, que busca uma solução para ele mesmo. E a dos estados, que se arrasta há um bom tempo. Em nenhum momento, se buscou uma solução definitiva para os estados. Foram sendo implementados paliativos. Dão uma alongada na dívida, dão uma melhorada, mas o problema sempre volta. É importante que as finanças estaduais funcionem em prol do próprio processo de desenvolvimento do país.
Ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, Raul Velloso diz que a União não conseguirá resolver seu déficit fiscal apenas buscando elevar a arrecadação e volta a insistir num tema recorrente para ele: a necessidade de uma reforma previdenciária profunda. Ele é mais um técnico que não acredita que a meta federal impeça alterações no RRF:
— Estamos diante de um impasse, e vejo que há uma tentativa de juntar a força dos (estados) quebrados. O fim deve ser bater em portas de Brasília e dizer que não há condição de administrar a dívida.
Desde 2017, o Rio está no RRF, que foi alterado em agosto de 2022, estendendo o regime — que era de três anos prorrogáveis por igual período — para nove anos. O projeto da União, que amplia o prazo para 12 anos e aguarda envio para o Congresso, na avaliação de Luiz Paulo, pode ajudar a quebrar o estado, se os juros previstos no modelo em vigor não forem alterados:
— Quanto maior o prazo do regime, mais juros o estado terá que pagar. Atualmente, o Rio paga de juros o equivalente ao dobro do que amortiza de sua dívida. Com esses juros, o estado não sai do buraco nunca. Estamos pagando 4% de juros reais. Só existe uma saída para os estados em recuperação fiscal: pagar correção monetária, sem nenhum juro.
Outro alerta é dado por Bruno Sobral:
— O alongamento da dívida pode até fazer parte dos instrumentos, mas tem de estar atrelado a um planejamento estratégico, que envolva desenvolvimento econômico e a saúde financeira do país. É preciso buscar uma solução que não seja só empurrar para frente a dívida. Isso significa sentar seriamente à mesa com os principais estados e promover uma reforma da federação. Não é simplesmente tratar os estados como credores.
Superavit em 2023
O Rio alega que teve uma queda de R$ 10 bilhões em suas receitas, sobretudo com a redução da alíquota do ICMS dos combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, determinada em 2022 pelo governo federal. Mas a Secretaria estadual de Fazenda estima que as contas de 2023 devem fechar com superavit de R$ 300 milhões.
Para este ano, a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, aprovada pela Alerj, prevê que o governo tenha gastos de R$ 113 bilhões, enquanto as receitas não devem ultrapassar R$ 104,5 bilhões. O primeiro setor a ser impactado deve ser o de investimentos. Mas a Fazenda garante que “não há possibilidade de atrasos no pagamento de servidores e fornecedores em 2024”.
A renegociação da dívida ainda não foi concretizada, mas recursos destinados ao pagamento da dívida pública foram retirados pelo Legislativo do orçamento.
— Fiz a maioria das mudanças em cima da despesa com a dívida pública, porque estimo que, no mínimo, vai haver um alongamento — afirma André Corrêa (PP), relator da LOA e presidente da Comissão de Orçamento da Alerj.
Uma das trocas foi a retirada de quase R$ 266 milhões para incrementar o orçamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Cerca de R$ 200 milhões são destinados ao pagamento de pessoal. Em nota, o órgão afirma que os valores são semelhantes aos de 2023 “se considerada a correção no período”.
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