Em junho de 2013, um desenvolvedor americano chamado Toby Fox criou uma campanha de crowdfunding para seu jogo de computador, pedindo cinco mil dólares – na época, cerca de 11 mil reais. Já no mesmo dia, o jovem de 21 anos de idade surpreendentemente conseguiu alcançar toda a meta que havia proposto. Um mês depois, no fim da campanha, havia arrecadado dez vezes mais do que o valor inicial.
Os resultados só seriam vistos dois anos depois: seu jogo, chamado Undertale, foi lançado em 2015 e tem hoje uma estimativa de duas milhões de cópias vendidas, além de ganhar o prêmio de “Jogo feito por crowdfunding mais gratificante” no famoso SXSW Gaming Awards, ficando ao lado de games feitos por grandes estúdios.
Essa história não aconteceu no Brasil, mas nada impede que venha a acontecer no futuro. O país é o maior destaque da América Latina quando se fala em videogame, mesmo enfrentando uma recessão. O setor de jogos obteve uma receita de nada menos que 1,3 bilhão de dólares em terras brasileiras, diz o instituto de pesquisa Newzoo.
Em um país com mais de 136 milhões de pessoas conectadas e um crescimento vertiginoso do acesso aos smartphones (ainda que com dificuldades para monetizar tal hábito), ainda há muito espaço para crescer, segundo a própria Newzoo: tanto do lado dos jogadores quanto dos empreendedores nacionais, que criam seus próprios jogos.
Esses desenvolvedores podem ensinar muito para o futuro empreendedor que acha que sua ideia de negócio não tem chance de conseguir destaque ou investimento. Tendo um bom plano de ação, é possível angariar apoio antes mesmo do seu produto ser lançado.
Uma das formas mais democráticas de obter essa ajuda é por meio da doação de pessoas físicas, em um processo já conhecido por empreendedores: o crowdfunding. É uma forma crescente de divulgação e financiamento no caso dos estúdios de games – só é menos procurada do que incentivos fiscais e publishers internacionais, sendo que ambos dependem da criação de um ecossistema forte para apoiar a produção nacional.
Uma primeira fase cheia de obstáculos
O Brasil é o quarto maior país em número de jogadores. Porém, isso é bem diferente do número de empresas brasileiras que desenvolvem jogos: há entre 150 e 200 negócios do ramo com CNPJ registrado (ou seja, desconsiderando desenvolvedores autônomos).
Um grande fator para essa diferença de números é que o mercado brasileiro de entretenimento ainda desvaloriza as produções nacionais, segundo membros da indústria de games entrevistados em estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Universidade de São Paulo.
Para os pesquisados, há uma comparação entre jogos brasileiros e produções AAA que desconsidera as capacidades financeiras, de contratação e de marketing de cada um dos lados. Enquanto a primeira categoria possui um orçamento de dezenas de milhares de reais para criarem um game, as megaproduções podem dispor de centenas de milhões de dólares.
Cerca de 75% dos estúdios que desenvolvem games no país possuem um faturamento de até 240 mil reais, o que os caracteriza como microempresas. A média de funcionários nesses estúdios é de 8,5 pessoas, já contando com fundadores.
“Há uma falta de investimento público e privado nesse mercado, ainda que seja algo que vem acontecendo cada vez mais”, afirma Fernando Chamis, presidente da Associação Brasileira de Games (Abragames). “Falta também capacitação gerencial nas empresas que desenvolvem jogos – elas produzem bem os games, mas não têm muita habilidade em vender ou negociar com grandes players.”
Além da falta de incentivo financeiro e da capacitação em gestão, mais da metade dos estúdios brasileiros também tem como principal fonte de financiamento os recursos próprios, da família ou de outros, como colegas e amigos. Ou seja: possuem uma história parecida com a de muitas microempresas.
Porém, eles querem mudar tal situação: apenas 1% dos estúdios pretende usar esse tipo de arrecadação no futuro. Agora, buscam principalmente os incentivos fiscais (44,4%), o contato com publicadoras internacionais (41,4%) e – claro – o crowdfunding (36,1%).
Crowdfunding como opção de financiamento
O JoyMasher é um estúdio que representa bem a realidade da maioria das microempresas desenvolvedoras de games: fundado oficialmente em 2012, no Paraná, o negócio é liderado por três membros.
“No começo a gente fazia jogos para outras empresas, mas não éramos totalmente sustentados. Também não conseguíamos pegar mais projetos, por conta do tamanho da equipe”, explica a desenvolvedora Thais Weiller.
O JoyMasher lançou seu primeiro jogo já em 2012, chamado Oniken. Porém, também não obteve um retorno que sustentasse a empresa – uma remuneração significativa só ocorreu bem depois, quando o jogo foi disponibilizado na plataforma Steam, feita para baixar jogos no computador.
Por isso, o estúdio apostou no crowdfunding para seu próximo jogo, chamado Odallus: The Dark Call. “Precisávamos de dinheiro para algumas partes do jogo naquele momento e esse era o objetivo do crowdfunding.”
A campanha foi lançada em junho de 2013 no site Indiegogo e durou dois meses. A escolha por um site internacional de crowdfunding se deu porque Odallus: The Dark Call é uma produção voltada para quem se interessa por games retrô e de plataforma. “Temos um nicho e esse nicho existe no mundo todo. Se a gente pegasse uma plataforma brasileira, esse público teria problemas para participar”, explica Weiller.
Ao todo, a campanha por Odallus: The Dark Call atingiu 151% da meta, que era de cinco mil reais – foram cerca de 7,5 mil dólares levantados. Vale lembrar que o Indiegogo cobra uma taxa de serviço de 5% sobre o total arrecadado.
A desenvolvedora atribui o sucesso da campanha a uma boa divulgação nas imprensas nacional e internacional: com pouco pessoal, a solução foi investir em redes sociais e em press releases. “Nunca minimize a importância da comunicação – não só falando de marketing, mas também de conversar com seu público e com a imprensa. Tem gente que começa a fazer uma campanha e não pensa nisso”, diz Weiller. “Não é mais tão fácil trazer valor, mas as empresas pequenas e de nicho têm esse poder de falar diretamente com as pessoas. É uma alternativa viável, especialmente após a rejeição de uma publisher.”
O dinheiro extra obtido na campanha foi usado para adicionar mais recursos aos jogos – um destino que todos os entrevistados nesta reportagem escolheram. “Realmente nos ajudou muito, porque até o momento não tínhamos um retorno mensal que nos permitisse financiar o jogo. Ele acabou ficando mais longo do que imaginávamos e pudemos contratar pessoal para as partes de música e vídeo, por exemplo.”
Fonte: Exame